junho 13, 2004
Porém, nada valeu em face da última visão:
Raiaram mais densas as luzes, mais agudas e penetrantes, caindo agora, em jorros, do alto da cúpula - e o pano rasgou-se sobre um vago tempo asiático... Ao som de uma música pesada, rouca, longínqua - ela surgiu, a mulher fulva...
E começou dançando...
Envolvia-a uma túnica branca, listada de amarelo. Cabelos soltos, loucamente. Jóias fantásticas nas mãos; e os pés descalços, constelados...
Ai, como exprimir os seus passos silenciosos, úmidos, frios de cristal; o marulhar da sua carne ondeando; o álcool dos seus lábios que, num requinte, ela dourara - toda a harmonia esvanecida nos seus gestos; todo o horizonte difuso que o seu rodopiar suscitava, nevoadamente...Entretanto, ao fundo, numa ara misteriosa, o fogo ateara-se...
Vício a vício a túnica lhe ia resvalando, até que, num êxtase abafado, soçobrou a seus pés... Ah! nesse momento, em face à maravilha que nos varou, ninguém pôde conter um grito de assombro...
Quimérico e nu, o seu corpo sutilizado, erguia-se litúrgico entre mil cintilações irreais. Como os lábios, os bicos dos seios e o sexo estavam dourados - num ouro pálido, doentio. E toda ela serpenteava em misticismo escarlate a querer-se dar ao fogo...Mas o fogo repelia-a...Então, numa última perversidade, de novo tomou os véus e se ocultou, deixando apenas nu o sexo áureo - terrível flor de carne a estrebuchar agonias magentas...
Vencedora, tudo foi lume sobre ela...
E, outra vez desvendada - esbraseada e feroz, saltava agora por entre labaredas, rasgando-as: emaranhando, possuindo, todo o fogo bêbado que a cingia.
Mas finalmente, saciada após estranhas epilepsias, num salto prodigioso, como um meteoro - ruivo meteoro - ela veio tombar no lago que mil lâmpadas ocultas esbatiam de azul cendrado.
Então foi apoteose:
Toda a água azul, ao recebê-la, se volveu vermelha de brasas, encapelada, ardida pela sua carne que o fogo penetrara... E numa ânsia de se extinguir, possessa, a fera nua mergulhou... Mas quanto mais se abismava, mais era lume ao seu redor...
Até que por fim, num mistério, o fogo se apagou em ouro e, morto, o seu corpo flutuou heráldico sobre as águas douradas - tranquilas, mortas também....
In «A Confissão de Lúcio» de Mário de Sá carneiro
E começou dançando...
Envolvia-a uma túnica branca, listada de amarelo. Cabelos soltos, loucamente. Jóias fantásticas nas mãos; e os pés descalços, constelados...
Ai, como exprimir os seus passos silenciosos, úmidos, frios de cristal; o marulhar da sua carne ondeando; o álcool dos seus lábios que, num requinte, ela dourara - toda a harmonia esvanecida nos seus gestos; todo o horizonte difuso que o seu rodopiar suscitava, nevoadamente...Entretanto, ao fundo, numa ara misteriosa, o fogo ateara-se...
Vício a vício a túnica lhe ia resvalando, até que, num êxtase abafado, soçobrou a seus pés... Ah! nesse momento, em face à maravilha que nos varou, ninguém pôde conter um grito de assombro...
Quimérico e nu, o seu corpo sutilizado, erguia-se litúrgico entre mil cintilações irreais. Como os lábios, os bicos dos seios e o sexo estavam dourados - num ouro pálido, doentio. E toda ela serpenteava em misticismo escarlate a querer-se dar ao fogo...Mas o fogo repelia-a...Então, numa última perversidade, de novo tomou os véus e se ocultou, deixando apenas nu o sexo áureo - terrível flor de carne a estrebuchar agonias magentas...
Vencedora, tudo foi lume sobre ela...
E, outra vez desvendada - esbraseada e feroz, saltava agora por entre labaredas, rasgando-as: emaranhando, possuindo, todo o fogo bêbado que a cingia.
Mas finalmente, saciada após estranhas epilepsias, num salto prodigioso, como um meteoro - ruivo meteoro - ela veio tombar no lago que mil lâmpadas ocultas esbatiam de azul cendrado.
Então foi apoteose:
Toda a água azul, ao recebê-la, se volveu vermelha de brasas, encapelada, ardida pela sua carne que o fogo penetrara... E numa ânsia de se extinguir, possessa, a fera nua mergulhou... Mas quanto mais se abismava, mais era lume ao seu redor...
Até que por fim, num mistério, o fogo se apagou em ouro e, morto, o seu corpo flutuou heráldico sobre as águas douradas - tranquilas, mortas também....
In «A Confissão de Lúcio» de Mário de Sá carneiro
Etiquetas: Mário de Sá Carneiro
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