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agosto 30, 2007

Vale Encantado 



Na encosta sobre a margem esquerda do Rio Côa e antes de chegar à ponte férrea, está a nascer o Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa







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agosto 26, 2007

O Tempo e a Alma 



Não quero ser o último a comer-te.

Se em tempo não ousei, agora é tarde.
Nem sopra a flama antiga nem beber-te
aplacaria sede que não arde

em minha boca seca de querer-te,
de desejar-te tanto e sem alarde,
fome que não sofria padecer-te
assim pasto de tantos, e eu covarde

a esperar que limpasses toda a gala
que por teu corpo e alma ainda resvala,
e chegasses, intata, renascida,

para travar comigo a luta extrema
que fizesse de toda a nossa vida
um chamejante, universal poema.


Carlos Drummond de Andrade







Agora vou perder-me no serpenteado do Douro e entre as fragas espalhar umas cinzas.
De seguida, convidarei os deuses para um repasto com fruta da época.
Só então estará completa a catarse.

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agosto 24, 2007

olhos que não vêm, coração que não sente... 

Lá diz o povo e com razão.

Ontem, depois de mais uma sessão com Paulo Curado, pensei em, chegado a casa, ligar-me com o mundo. Não tenho visto televisão, por isso decidi ligar-me ao canal habitualmente sintonizado para ver o Jornal da meia-noite.
No espaço de 15 a 20 minutos ouvi isto:

Em Inglaterra, um adolescente foi morto com um tiro no pescoço, alegadamente por um gang juvenil.

Na Bélgica, uma mãe foi denunciada pelo marido à Polícia, após terem sido descobertas em três caixas escondidas na garagem do casal os cadaveres de três bébés que a senhora terá parido entre 2001 e 2006.

Numa prisão no Brasil, com capacidade para oitenta e tal reclusos e ocupada pelo dobro, terá havido um problema qualquer, do qual resultaram 20 mortos.

Duas crianças morreram carbonizadas em Timor, depois de a casa onde viviam ter sido incendiada por manifestantes.

No Bangladesh, do recolher obrigatório resultaram não-sei-quantos mortos.

Em Itália, eram aguardados os cadaveres de dois dos seis homens assassinados pela Máfia Calabresa em Duisburgo, Alemanha.

Ainda em Itália, os incêndios já fizeram vítimas mortais.

Há também vítimas de um furacão, não sei onde...

Um jogador internacional espanhol era aguardado hoje no S.L.Benfica (afinal parece que este não é vítima).

Isto tudo de enfiada, num espaço, repito, de 15 a 20 minutos. Na SIC-Notícias.
Fiquei de boca aberta. Porra. Liga um tipo a televisão para isto?
Ai vou mantê-la desligada por tempo indeterminado, vou...

Ah! Depois de tantas notícias importantes do mundo e arredores, ainda fui a tempo de ouvir, quase sussurrada, a notícia de que adjudicação directa à PT por parte do Governo no valor de 41 milhões de euros para reformular as comunicações foi justificada por razões de segurança e confidencialidade.
Estranho, não?
E os outros operadores não têm nada a dizer sobre o assunto?
É que é mesmo estranho. Diria mesmo que isto dá muito que pensar...

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agosto 23, 2007

Os Mensageiros do Jazz 

ENCICLOPÉDIA ILUSTRADA DO JAZZ & BLUES.
Organização de Howard Mandel, com prefácio de John Scofield
Edições Afrontamento, 2006


Da escassa informação disponível em português, esta obra destaca-se naturalmente pela profundidade e riqueza das biografias de nomes maiores da história do jazz.
Vem mesmo a calhar, esta enciclopédia, nomeadamente para dinamizar o Aqui Jazz o Fado, projecto embrionário que pretende ir às origens e casamentos de duas formas de expressão musical tão diversas...
Como gostava de ter visto o Carlos Paredes ao lado do Charlie Haden no Coliseu!












As evoluções da música popular nos séculos XX e XXI foram muitas e variadas, passando-se da utilização de instrumentos rudimentares e de estruturas melódicas simples a trabalhos mais complexos e ao recurso cada vez maior a tecnologias avançadas. No entanto, é muitas vezes possível traçar as origens da música popular ocidental a partir dos seus muitos artistas e das influências das duas correntes de música afro-americana que se desenvolveram no final do século XIX: o jazz, que saía quente do caldo urbano multicultural de Nova Orleães, e o blues, vindo das paisagens rurais desoladas do Texas e do delta do Mississipi. Estas misturas de elementos da música afro-americana com o mundo cultural e social da América pós-guerra Civil foram evoluindo gradualmente a partir das suas raizes semelhantes, vindo a constituir dois géneros musicais bastante distintos e criando bases sólidas para o surgimento de outros estilos novos.





Esta Enciclopédia proporciona um olhar profundo sobre essa música poderosa e influente, com informação detalhada sobre os artistas inovadores que ajudaram a dar forma ao jazz e ao blues à medida que os estilos foram evoluindo. Organizados por décadas, todos os capítulos abrem com um texto introdutório com a informação básica essencial. As secções «Temas & Estilos» situam a música no seu contexto cultural, histórico e social e descrevem a evolução do jazz e do blues nesse período. Seguem-se as secções biográficas sobre os «Artistas de Referência» de cada década, contendo detalhes sobre faixas emblemáticas e gravações clássicas de cada um deles. Depois, em «Artistas de A-Z», apresentam-se as histórias da vida de muitos outros músicos, vocalistas, compositores, arranjadores, chefes de orquestra e produtores importantes. A secção de referências, bastante abrangente, inclui informação sobre os instrumentos do jazz e do blues, uma extensa lista de artistas, um glossário e bibliografia complementar sugerida.

Sobre a obra, recomenda-se também este artigo de Rui Branco.


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agosto 21, 2007

Filmes da minha vida - Pulp Fiction 

[Jules and Vincent take Marvin with them in their car and Vincent's gun goes off and blows Marvin's head off]
Vincent: Whoa!
Jules: What the fuck's happening, man? Ah, shit man!
Vincent: Oh man, I shot Marvin in the face.
Jules: Why the fuck did you do that!
Vincent: Well, I didn't mean to do it, it was an accident!
Jules: Oh man I've seen some crazy ass shit in my time...
Vincent: Chill out, man. I told you it was an accident. You probably went over a bump or something.
Jules: Hey, the car didn't hit no motherfucking bump.
Vincent: Hey, look man, I didn't mean to shoot the son of a bitch. The gun went off. I don't know why.
Jules: Well look at this fucking mess, man. We're on a city street in broad daylight here!
Vincent: I don't believe it.
Jules: Well believe it now, motherfucker! We gotta get this car off the road! You know cops tend to notice shit like you're driving a car drenched in fucking blood.
Vincent: Just take it to a friendly place, that's all.
Jules: This in the Valley, Vincent. Marcellus ain't got no friendly places in the Valley.
Vincent: Well Jules this ain't my fucking town, man!
Jules: Shit!
[Jules dials a number on his cell phone]
Vincent: What you doin'?
Jules: I'm calling my partner in Toluca Lake.
Vincent: Where's Toluca Lake?
Jules: It's just over the hill here over by Burbank Studios. If Jimmie's ass ain't home, I don't know what the fuck we're going to do, man. 'Cause I ain't got no other partners in 8-1-8. Hey Jimmie, yo, how you doin', man? It's Jules. Listen up man. Me and my homeboy are in serious fucking shit. We're in a car and we gotta get off the road, pronto. I need to use your garage for a couple of hours.

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agosto 20, 2007

Para além do bem e do mal... 

Agradeço à jornalista Fernanda Câncio o esclarecimento sobre as virtualidades e perversões da Wikipedia, no artigo publicado no DN. No entanto, relativamente ao assunto em apreço, pôs-se a jeito.
Porque o artigo não é sobre um qualquer cidadão anónimo, nem foi um nerd qualquer que o editou, a lisonja utilizada sem pudor num assunto incómodo para o PM soa pouco ética.
FC deveria por isso esclarecer se se trata de um artigo de opinião na qualidade de jornalista do DN ou ao serviço de uma qualquer Agência de Comunicação.

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agosto 18, 2007

números redondos 


Dizem estes senhores que hoje o Luminescências passou a barreira das 500.000 page views.

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agosto 17, 2007

Não há bela sem senão... e vice-versa 

As leoas Marisa e Isabel mudaram-se para Braga para seguirem as carreiras dos respectivos maridos.
Coincidência ou talvez não, o clube teve uma bela prestação na época passada e a SAD muito bons resultados.
Bem podia a instituição que contratou Rosa Mota (até pode ser boa senhora, mas tem um senão...) trocá-la por uma destas musas, já que a Fernanda assinou por várias épocas com um rival.
Quem sabe, sabe...
E o professor Miguel Beleza é que sabe.

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agosto 14, 2007

vidas interrompidas 



Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.

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agosto 09, 2007

O Reino que será dos que queiram merecê-lo... 

No centenário do seu nascimento (no próximo dia 12), impõe-se uma visita ao Reino que Torga testemunhou, embora muitas pessoas digam que não.
Para percorrer as terras por si enaltecidas, tentei que os meus olhos não perdessem a virgindade original diante desta realidade. Foi sem hesitação que lá deixei o coração, o que quase me ia sendo fatal. A 27, dia do nascimento de meu pai, espero voltar ao Vale Encantado.
Os textos em itálico pertencem a Um Reino Maravilhoso, os restantes textos foram retirados daqui. As imagens são minhas.



Os sabores da terra

A oferta gastronómica não se assume como simples curiosidade regional, mas como verdadeira expressão dos hábitos e costumes transmontanos, que brota da força fertilizante da terra e do viço das árvores.


Mas a terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão. Produz batata, azeite, cortiça e linho. Batata farinhuda, que se desfaz na boca; azeite loiro, que sai em luz da almotolia; cortiça que deixa os sobreiros nus para agasalhar os enxames; e linho fresco, fino, que, tecido em lençóis, faz o bragal das noivas.
De figos, nozes, amêndoas, maçãs, pêras, cerejas e laranjas nem vale a pena falar. São mimos dum pomar variegado, que nenhuma imaginação descreve quando a primavera estala nos ramos.





O pão é o alimento apreciado na mesa transmontana, mas que, desde o lançamento da semente à terra, da sua colheita, da malhada até ao ritual da cozedura, revela o trabalho árduo do homem feito camponês:

Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Pão de milho, de centeio, de cevada e de trigo. Pão integral. Por ser pão e por ser amassado com o suor do rosto. Sabe a trabalho. Mas é por isso que os naturais o beijam quando ele cai no chão...





Festas/S. Martinho

Algumas festividades implicam manjares próprios das comemorações dos respectivos oragos ou patronos. É o caso do dia de S. Martinho, cujas celebrações são festejadas com "magustos" de castanhas e vinho.


Mas o fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai dumas árvores altas, imensas centenárias, que, puras como vestais, parecem encarnar a virgindade da própria paisagem. [...] a castanha. Assada, no S. Martinho, serve de lastro à prova do vinho novo. Cozida, no Janeiro glacial, aquece as mãos e a boca de pobres e ricos. Crua, engorda os porcos, com a vossa licença...





O Vinho e a Vinha

O vinho de moscatel, de alvarelhão, de penaguiota, de malvasia fina, o "vinho do Porto", que seguia, em tempos idos, em barcos rabelos até à zona ribeirinha do Porto e de Gaia, tem a sua expressão máxima nas encostas xistosas do Douro.


Nas margens de um rio de oiro , crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos , varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo.

Matança do porco

A matança do porco e o fumeiro, como uma festividade doméstica, encontram-se entre os costumes que Miguel Torga mais vezes relata. Não apenas como espectador, mas como participante activo dessa tradição secular da sua aldeia.


É destes que se tem de partir para chegar à trindade tradicional do reino: os presuntos, as alheiras e os salpicões.
Por alturas do Natal, começa a matança. Ao romper da manhã, a paz de cada povoado é subitamente alarmada. Um grito esfaqueado irrompe do silêncio. Dias depois desmancha-se a bisarma, e um pálio de fumeiro cobre a lareira.
Quem não comeu ainda desses manjares ensacados, prove... E há-de encontrar neles o sabor das invernadas passadas ao borralho enquanto a neve cai, o perfume das graças dadas por alma daqueles que Deus tem, a magia da história de João de Calais contada aos filhos, e uma ciência infusa de temperar, que vem desde que a primeira nau chegou à Índia.





A Paisagem Humana

A realidade transmontana está associada a factores que exercem influência na singularidade das atitudes e da cultura do homem montanhês. Este, tal como Miguel Torga o canta, está habituado ao isolamento morfogeológico e crente só em si na luta pela sobrevivência, assume-se como entidade autóctone, dotada de notável robustez, de grande coragem, de sentimento granítico e de espírito aberto, franco e solidário com seus irmãos.


Homens de uma só peça , inteiriços, altos e espadaúdos, que olham de frente e têm no rosto as mesmas rugas do chão. Castiços nos usos e costumes, cobrem-se com varinos, croças e mais roupas de serrobeco ou de colmo, e nas grandes ocasiões ostentam uma capa de honras, que nenhum rei! [...] Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:
--Entre quem é!
Sem ninguém a perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva.





Trás-os-Montes

O território torguiano, como o poeta tão bem trasladou em forma de letra para a sua obra, é todo o Portugal, e é ainda a Ibéria. Neste roteiro é, no entanto, obrigatório delimitar, nesta vastidão espacial, as principais fronteiras. Eis Trás-os-Montes.


A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Montalegre, de Vinhais a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Freixo, de Freixo à Barca de Alva, da Barca à Régua e da Régua novamente a Vila Real, mas a que pertencem Foz Côa, Meda, Moimenta e Lamego - toda a vertente esquerda do Doiro até aos contrafortes do Montemuro, carne administrativamente enxertada num corpo alheio, que através do Côa, do Távora, do Torto, do Varosa e do Balsemão desagua na grande veia cava materna as lágrimas do exílio.
Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.

Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os lapedos, rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta aridez. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias.

Veigas que alegram Chaves, Vila Pouca, Vilariça, Mirandela, Bragança e Vinhais.
Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista.

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agosto 07, 2007

Para que não esqueçamos 

Isto de estar (mal) habituado a ter tudo à mão só porque se vive na capital do império...
Este ano, quem quiser ver a World Press Photo, tem até domingo para ir a Portimão. Hélàs!




A foto vencedora deste ano é do repórter fotográfico norte-americano Spencer Platt que, num artigo publicado na Visão da semana passada, nos deixa alguns tópicos para reflexão.

Qualquer boa foto deve contar uma história e ser universalmente compreendida pelas várias culturas. Platt chama a atenção para a dificuldade de - nos dias de hoje - as imagens fazerem as pessoas pensar; Não só pela facilidade com que hoje se faz um boneco, como também para a introdução do vídeo nos trabalhos de foto-reportagem.
E que devemos manter e alimentar a curiosidade pelo mundo.
Eu acrescentaria, a esperança na humanidade...

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agosto 03, 2007

por falar em música* ... 

É curioso que, precisamente um ano depois de publicar um post sobre o Jazz em Agosto na Gulbenkian, o deste ano tenha o mesmo tema.
Deve-se ao destaque dado a Coleman no suplemento Ípsilon do Público de hoje, que teve o efeito de uma descarga eléctrica: não tinha bilhete. Mas isso é passado.




Ornette Coleman, saxofonista alto, gravou no princípio da sua carreira um álbum intitulado «The Shape of Jazz To Come». Correndo o risco de parecer uma manifestação de arrogância juvenil - Coleman tinha apenas 29 anos nessa altura - este título acabou, na verdade, por se revelar profético. Coleman é o criador do conceito musical «harmolodic», uma forma musical que pode igualmente ser vista como uma filosofia de vida. A riqueza da harmolodics advém da interacção única que ocorre entre os músicos.

Rompendo as barreiras de rítmos rígidos e de expectativas convencionais, harmónicas ou estruturais, os músicos harmolódicos improvisam juntos, dando origem ao que Coleman chama «improvisação composicional», enquanto se mantêm, invariavelmente, em sintonia com a fluência, o sentido e as necessidades dos seus parceiros. (...). Ornette descreve-o como: «Retirar ao som o sistema de castas.» A um nível mais abrangente, harmolodics proporciona o balanço entre a liberdade de se estar como se quer, desde que se ouça os outros, e se trabalhe com eles no desenvolvimento de uma harmonia própria e individual.

Pela sua visão fundamental e inovação, Coleman foi alvo de tributos que incluem o MacArthur «Genius» Award, a admissão à Academia Americana das Artes e das Letras, o doutoramento honoris causa pela Universidade da Pensilvânia, a Letter of Distinction do American Music Center e o Prémio das Artes do Governador do Estado de Nova Iorque. No entanto, o caminho para este seu reconhecimento universal nem sempre foi ameno.

Nascido a 9 de Março de 1930 em Fort Worth, Texas, num período de grande segregação, o seu pai morreu quando Coleman tinha apenas sete anos. A sua mãe, costureira de profissão, trabalhou muito para poder comprar a Coleman o seu primeiro saxofone quando este tinha 14 anos de idade. Tendo aprendido sozinho a tocar de ouvido a partir de um livro prático de piano, Coleman ficou à vontade com o instrumento e começou a tocar com bandas locais de rhythm & blues.

Coleman sabia que não estava só na sua busca de uma sonoridade que expressasse a realidade tal como ele a percepcionava. As competitivas sessões que aludiam ao bebop tinham que ver apenas com auto-expressão na sua forma mais elevada. «Eu podia tocar e soar, nota-a-nota, como Charlie Parker, mas estava apenas a tocar pela técnica. Tentei então perceber para onde devia ir a partir daqui», afirmou Coleman. Los Angeles provou ser o laboratório daquilo que veio a chamar-se jazz. Aí, começaram a juntar-se em torno de Coleman um grupo de músicos que viriam a ter grande expressão na sua vida: um trompetista adolescente e esguio chamado Don Cherry, e Charlie Haden, um contrabaixista de ar angélico com um estilo contemplativo e firme. Os bateristas Ed Blackwell e Billy Higgins também se juntaram aos intensos e exploratórios ensaios, durante os quais Coleman ia refinando o seu vocabulário num saxofone de plástico, apesar da falta de actuações ao vivo. No entanto, e por simples persistência, a criatividade de Coleman atraía admiradores.

Red Mitchell, baixista de bebop e antigo associado de Cherry, levou o saxofonista a Lester Koenig da Contemporary Records com a intenção original de lhe vender alguns dos seus trabalhos. Apercebendo-se das dificuldades que os músicos sentiam ao tocar a música, Koenig perguntou a Coleman se ele era capaz de tocar as melodias. Este encontro fez com que Coleman gravasse o seu primeiro álbum «Something Else» em 1958.

A energia e electricidade que se foi gerando em torno de Ornette e dos seus músicos «explodiu» durante a legendária temporada em que Coleman tocou no clube de jazz Five Spot em Nova Iorque, em Novembro de 1959. Os rumores a propósito da abordagem não convencional do jovem texano, instigaram zunzuns antes dos espectáculos e, enquanto as duas semanas previstas inicialmente se transformavam num programa seguido de seis semanas, o revolucionário quarteto de Coleman tornou-se o acontecimento a não perder da temporada.

E no entanto, conforme Robert Palmer, escritor e associado de Coleman de longa data, refere nas suas notas da colectânea dos Atlantic years intitulada «Beauty Is A Rare Thing» (Rhino/Atlantic), «O ouvinte dos dias de hoje muito provavelmente ouvirá estas peças como trabalhos bem concebidos, e soberbamente alcançados em sede própria, e voltará a interrogar-se quanto às razões da controvérsia que geraram na altura.»

Coleman depressa iniciou estudos de trompete e violino, expandindo a sua sempre prolífica composição a trabalhos para quartetos de cordas, quintetos de sopro e peças sinfónicas. Escreveu a sinfonia «Skies of America» com um subsídio da Fundação Guggenheim, partiu para Marrocos em 1973 para trabalhar com os Master Musicians of Jajouka nas suas terras na montanha, e também visitou aldeias na Nigéria. Imediatamente após o seu regresso, as criações de Coleman reflectiam um novo som, um impacte harmolódico frontal, uma secção rítmica dobrada de percussão e baixo eléctrico, denominado Prime Time.

Em 1982, Coleman aceitou uma encomenda para refazer Skies of America para a Fort Worth Symphony e para compor uma peça de câmara, ambos os trabalhos para a abertura de Caravan of Dreams em Setembro de 1983. Os seus primeiros álbuns decorrentes desses eventos, Live at the Caravan e Prime Time/Prime Design (para Buckminster Fuller) foram lançados em 1984. O filme Ornette: Made In America, baseado no seu regresso a Fort Worth, foi estreado em 1985, assim como In All Languages.

A colaboração de Coleman com o guitarrista de jazz-rock Pat Metheny começou em finais de 1985, dando origem a «Song X», a uma digressão e a um novo público. Ornette alcançou um reconhecimento público mais alargado em finais dos anos 80 por ter tocado e gravado com os Grateful Dead e com Jerry Garcia, o seu hippy e virtuoso guitarrista. A afeição e o respeito que Coleman e o já falecido Garcia tinham um pelo outro ficou registada nas sessões «Virgin Beauty» gravadas em 1988 (CBS/Portrait).

Esta nova autonomia assinalou a temporada em que Coleman começou a ganhar sucessivos prémios pelas suas contínuas aventuras musicais. Criou a etiqueta Harmolodic e associou-se à Polygram Francesa. No decurso da década, a Harmolodic lançou uma série de trabalhos entre os quais «Tone Dialing», o primeiro, no qual um prelúdio de Bach é apresentado harmolodicamente.

Civilization 1997, um evento com a duração de quatro noites, teve lugar no Lincoln Center, no Avery Fisher Hall. Começou com uma apresentação de duas noites da Filarmónica de Nova Iorque, dirigida por Kurt Masur, em conjunto com Prime Time. O acontecimento mais esperado destas quatro noites foi talvez a primeira actuação do Quarteto Original em Nova Iorque, no espaço de duas décadas, com material inteiramente novo. Ouvir a fusão familiar e sempre estimulante da música de Coleman, Haden e Higgins era uma experiência emocional para muitos espectadores, que sentiram na profunda empatia dos músicos uma medida das suas próprias vidas e o cumprimento dos sonhos que tiveram quando ouviram o Quarteto quebrar concepções de música pela primeira vez. Um dos mais importantes tributos americanos, o MacArthur Foundation «genius» Grant, foi atribuído a Coleman em 1994 e, em 2004, foi galardoado com o prestigiante Dorothy and Lillian Gish Prize, um dos mais importantes prémios atribuídos no domínio das artes. Na generalidade, as actuações de Coleman, mais do que simples concertos, eram agora grandes acontecimentos multimédia que, simultaneamente, influenciavam e se reflectiam na comunidade das cidades que o recebiam, acontecimentos estes que tinham lugar durante várias noites em lugares importantes.

Em 2007, Coleman recebeu um dos prémios «2007 Grammy Lifetime Achievement Award». Em paralelo com este fantástico reconhecimento, o álbum Sound Grammar foi nomeado para um Grammy para «Melhor Álbum Instrumental de Jazz por um Indivíduo ou Grupo». Para além disso, em princípios de 2007, recebeu ainda outras distinções, tais como, o «Living Legend Award» em Washington, a «Texas Medal of the Arts» e, mais recentemente, o Prémio Pulitzer de Música, por Sound Grammar.

Metafísico, filósofo e eterno estudante, Coleman continua a iludir qualquer «categorização». O seu mundo Harmolódico continua a expandir-se com os conceitos deste artista sem limites. Certo dia afirmou: «A maior parte das pessoas pensa em mim apenas como um saxofonista e um artista de jazz, mas eu quero ser considerado como um compositor capaz de transcender todas as fronteiras.»


fonte:
Jazz em Agosto | Biografias
http://www.musica.gulbenkian.pt/jazz/


* a analogia ao post anterior não pretende induzir à sua leitura, embora a validade se mantenha

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