fevereiro 09, 2005
O espaço não público
[...]Trinta anos depois do estabelecimento da democracia, como funciona o espaço público em Portugal?
A constatação imediata é a de que não existe. Está por fazer a história do que, nesse plano, se abriu e quase se formou durante os anos «revolucionários» do pós-25 de Abril, para depois se fechar, desaparecer e ser substituído pelo espaço dos media que, em Portugal, não constitúi um espaço público.
Como definir esse espaço aberto de expressão e de trocas, essencial para que a liberdade e a criação circulem num campo social? Determinemos primeiro como se manifesta a sua ausência na sociedade portuguesa.
Não há debate político: nem sequer na televisão que cria um espaço artificial, com regras predeterminadas que limitam a espontaneidade das intervenções, o acaso, e a participação desse «fora» que faz toda a riqueza da expressão pública. Nos jornais e na rádio, os debates confinam-se a troca de opiniões e argumentos entre homens políticos, sempre de um partido, visto que no mundo da política não há lugar para independentes, ou entre comentadores, pretensos «opinion makers» que dialogam constantemente entre si, em círculo fechado. Muitos dos políticos são também comentadores, fazem o discurso e o metadiscurso, o que suscita um circuito abafador e redundante: sempre as mesmas vozes e a mesma escrita nos mesmos tons, com os mesmos argumentos, com o mesmo plano de sentido, como se as ideias políticas se reduzissem a um empirismo sociológico de estratégias partidárias.
Se a política é «chata» em Portugal, se os portugueses estão «fartos dos políticos», isso não se deve apenas à sua incompetência, mas também ao próprio universo do debate político em que nada de novo, de inovador, de diferente, de forte, de original e estimulante surge para abalar os espíritos. O discurso político tem por função legitimar políticas ou projectos políticos e o metadiscurso confirmar essas legitimações. Confirmar, confirmar: eis para que se acumulam toneladas de argumentos e de pseudo-ideias mais ou menos subtis.
Quanto a uma abertura para fora – quando o peso da Europa Comunitária nas decisões do governo português é maior do que nunca – pode perguntar-se qual é a presença da questão europeia nos «debates» políticos nacionais?
Não há espaço público porque este está nas mãos de umas quantas pessoas cujo discurso não faz mais do que alimentar a inércia e o fechamento sobre si próprios da estrutura das relações de força que elas representam. Os lugares, tempos, dispositivos mediáticos e pessoas formam um pequeno sistema estático que trabalha afanosamente para a sua manutenção.
José Gil
Portugal, Hoje - O Medo de Existir
Relógio d'Água, 3ª edição, 2005
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