Sexta-feira, Dezembro 24
Onde Nascem Os Sonhos
A estrela
Eu caminhei na noite
Entre silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava
Grandes perigos na noite me apareceram
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
De uma cidade a néon enfeitada
A minha solidão me pareceu coroa
Sinal de perfeição em minha fronte
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era de um ferro
Tão pesado que toda me dobrava
Do frio das montanhas eu pensei
«Minha pureza me cerca e me rodeia»
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu
E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram
Disse às pedras do monte que falassem
Mas elas como pedras se calaram
Sozinha me vi delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava
E eu caminhei na noite minha sombra
De desmedidos gestos me cercava
Silêncio e medo
Nos confins desolados caminhavam
Então eu vi chegar ao meu encontro
Aqueles que uma estrela iluminava
E assim eles disseram: «Vem connosco
Se também vens seguindo aquela estrela»
Então soube que a estrela que eu seguia
Era real e não imaginada
Grandes noites redondas nos cercaram
Grandes brumas miragens nos mostraram
Grandes silêncios de ecos vagabundos
Em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava
E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava
E a estrela do céu parou em cima
de uma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha a cor que tem a cinza
Longe do verde azul da natureza
Ali não vi as coisas que eu amava
Nem o brilho do sol nem o da água
Ao lado do hospital e da prisão
Entre o agiota e o templo profanado
Onde a rua é mais triste e mais sozinha
E onde tudo parece abandonado
Um lugar pela estrela foi marcado
Nesse lugar pensei: «Quanto deserto
Atravessei para encontrar aquilo
Que morava entre os homens e tão perto»
Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto (1962)
Quinta-feira, Dezembro 23
Bloggers & Associados
Estamos no Natal, altura do ano em que o ritual da troca de prendas se confunde com os rituais religiosos!
Na impossibilidade de concretização do primeiro, uma vez que o segundo tem para mim valor meramente simbólico..
A todos os companheiros de viagem que têm tido a generosidade e simpatia de enriquecer o Luminescências, desejo aquilo que de bom quero para mim!
No Natal, não almejo uma rosa
nem desejo neve sobre a alegria de Maio.
Apraz-me em cada estação o que lhe pertence.
William Shakespeare
Se me esqueço de alguém nesta short list, desculpem qualquer coisinha!
Na impossibilidade de concretização do primeiro, uma vez que o segundo tem para mim valor meramente simbólico..
A todos os companheiros de viagem que têm tido a generosidade e simpatia de enriquecer o Luminescências, desejo aquilo que de bom quero para mim!
No Natal, não almejo uma rosa
nem desejo neve sobre a alegria de Maio.
Apraz-me em cada estação o que lhe pertence.
William Shakespeare
Se me esqueço de alguém nesta short list, desculpem qualquer coisinha!
Quarta-feira, Dezembro 22
Bairro Alto
Faz esta semana vinte anos que deixei o Bairro Alto.
Desde então, tenho assistido à progressiva recuperação deste bairro tão especial, cuja história se inicia no século XVI.
Foi talvez o primeiro onde as regras da arquitetura foram aplicadas de forma sistemática, numa lógica de uma cidade planeada, com ruas paralelas e, principalmente, perpendiculares ao rio, de modo a que os seus habitantes pudessem ter sol durante grande parte do dia..
É interessante ver durante a manhã o modo como as ruas estreitas aguardam calmamente que os raios de sol vão iluminando as varandas cheias de flores e roupa branca.
Quando deixei o Bairro Alto, ainda havia "meninas" na zona próxima do Jardim S Pedro de Alcântara, as tascas tinham como clientes os residentes na zona e o estacionamento era um caos - sempre pensei que se um dia houvesse um incêndio, o bairro transformar-se-ia numa gigantesca tocha, pois é óbvio que nenhum carro de bombeiros conseguiria entrar..
Com o desfiar dos anos, fui assistindo à vinda de novos habitantes. O Frágil trouxe novas caras, e essas caras novos hábitos (como os graffiti nas paredes dos prédios)
Hoje, o bairro conta com mais de duas centenas de restaurantes, as tascas tornaram-se espaços in, albergam miúdos que comem sardinhas no pão e bebem garrafas de litro de cerveja.
As mercearias como a que havia no r/c do meu prédio deram lugar a lojas de roupa, de ténis, de material de bodyboard, de piercings, e por aí adiante.
No prédio em frente havia um alfarrabista.
Mais tarde instalou-se lá o mítico El Dorado.. e hoje é uma loja de roupa infantil.
É curioso olhar para a mescla de culturas existentes hoje em dia no Bairro Alto.. e verificar como um dos bairros históricos de Lisboa não perdeu a sua identidade...
E está muito mais bonito!
Desde então, tenho assistido à progressiva recuperação deste bairro tão especial, cuja história se inicia no século XVI.
Foi talvez o primeiro onde as regras da arquitetura foram aplicadas de forma sistemática, numa lógica de uma cidade planeada, com ruas paralelas e, principalmente, perpendiculares ao rio, de modo a que os seus habitantes pudessem ter sol durante grande parte do dia..
É interessante ver durante a manhã o modo como as ruas estreitas aguardam calmamente que os raios de sol vão iluminando as varandas cheias de flores e roupa branca.
Quando deixei o Bairro Alto, ainda havia "meninas" na zona próxima do Jardim S Pedro de Alcântara, as tascas tinham como clientes os residentes na zona e o estacionamento era um caos - sempre pensei que se um dia houvesse um incêndio, o bairro transformar-se-ia numa gigantesca tocha, pois é óbvio que nenhum carro de bombeiros conseguiria entrar..
Com o desfiar dos anos, fui assistindo à vinda de novos habitantes. O Frágil trouxe novas caras, e essas caras novos hábitos (como os graffiti nas paredes dos prédios)
Hoje, o bairro conta com mais de duas centenas de restaurantes, as tascas tornaram-se espaços in, albergam miúdos que comem sardinhas no pão e bebem garrafas de litro de cerveja.
As mercearias como a que havia no r/c do meu prédio deram lugar a lojas de roupa, de ténis, de material de bodyboard, de piercings, e por aí adiante.
No prédio em frente havia um alfarrabista.
Mais tarde instalou-se lá o mítico El Dorado.. e hoje é uma loja de roupa infantil.
É curioso olhar para a mescla de culturas existentes hoje em dia no Bairro Alto.. e verificar como um dos bairros históricos de Lisboa não perdeu a sua identidade...
E está muito mais bonito!
Terça-feira, Dezembro 21
perspectivas e realidades.. do menino com olhos de gigante!
Aconteceu-me
Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos !
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.
Almada Negreiros
Segunda-feira, Dezembro 20
Receita de Natal
Especialmente dedicada às meninas:
Domingo, Dezembro 19
In Memorian
L'amore!.. cantado pela Diva!
La mamma morta, na voz de Maria Callas, é daquelas interpretações em que não é necessário gostar de ópera para nos emocionarmos.
Recordo a interpretação de Tom Hanks em Filadélfia, quando traduz para o seu advogado, Denzel Washington, o amor expresso naquelas palavras.
De ficar sem fôlego!
Andrea Chenier, de Umberto Giordano
Acto III
A Sala de tribunal do Tribunal Revolucionário, 24 de julho de 1794.
Mathieu tenta junto da multidão angariar doações para a causa. As pessoas não respondem até que aparece Gérard, o criado. Ele chama as pessoas para darem o que podem, até mesmo os filhos. Uma mulher cega aparece com um menino jovem. Diz-lhe que este é seu o neto e tudo o que tem no mundo. Implora para que Gérard o leve.
A multidão dispersa e chega L'Incredibile, o espião. Diz a Gérard que Chenier, o poeta, havia sido detido e que em breve também a jovem e nobre Maddalena terá o mesmo destino.
Apesar da indignação que sente pelas cínicas palavras que acaba de ouvir, Gérard obedece e denuncia Andrea para salvar Maddalena, que vem procurar o poeta, seu amado.
A amizade que o une a Andrea vale menos que o amor que nutre pela donnina innamorata.
Maddalena diz que morrerá a gritar o seu Amor nas ruas. Se o preço da vida de Chenier implica que o seu corpo seja de Gérard.. que assim seja.
Maddalena conta como a sua família desapareceu num incêndio e como ficou só; fala sobre a morte de sua mãe e como trás a desgraça a todos os que a amam..
Porto sventura a chi bene mi vuole!
Grita que aquele Amor é vida. Um anjo chegou para a proteger, mas o beijo que recebeu era o beijo da morte.
Corpo di moribonda è il corpo mio!
Prendilo, dunque!... Io son già morta cosa!...
Maddalena oferece o seu corpo moribundo a Gérard.
La mamma morta (canta Maria Callas) - clique para ouvir
Maddalena:
La mamma morta
m'hanno alla porta
de là della stanza mia;
moriva e mi salvava!...
poscia - a notte alta - io con la Bersi errava,
quando, ad un tratto, un livido bagliore
guizza e rischiara innanzi a' passi miei
la cupa via!
Guardo!... Bruciava il loco di mia culla!
Così fui sola!... E intorno il nulla!
Fame e miseria!...
Il bisogno e il periglio!...
Caddi malata!...
E Bersi, buona e pura,
(ed a narrarlo mancan le parole)
di sua belezza ha fatto un mercato,
un contratto per me!
Porto sventura
a chi bene mi vuole!
(Ad un tratto, nelle pupille larghe di Maddalena si effonde una luce di suprema gioja, una gran luce profonda come riflesso di splendore misterioso.)
Fu in quel dolore
che a me venne l'amore!...
(Maddalena rimane in silenzio meditabonda - un dolcissimo sorriso sulle labbra)
Voce gentile piena d'armonia
che mi sussurra: "Spera!"
e dice: Vivi ancora! Io son la vita!
Ne' miei occhi è il tuo cielo!
Tu non sei sola! Le lacrime tue
io le raccolgo!... Io sto sul mio cammino
e ti sorreggo il fianco
affaticato e stanco!...
Sorridi e spera ancora!... Son l'amore!
Intorno è sangue e fango?... Io son divino!...
Io sono il paradiso!... Io son l'oblio!
Io sono il dio
che sovra il mondo scende da l'empireo,
muta gli umani in angioli,
fa della terra il ciel!...
Io son l'amore!
Io son l'amore!
L'amore!
(Ed essa pure, come già Gérard, rimane per un momento silenziosa, affannata da quel ricordo tumultuoso. - E poi con voce piena di immensa tristezza balbetta:)
L'angiol tremante allor le labbra smorte
della mia bocca bacia... E or vi bacia la morte!...
(un desolato singhiozzo la costringe ad interrompere, poscia affannosamente riprende:)
Corpo di moribonda è il corpo mio!
Prendilo, dunque!... Io son già morta cosa!...
Recordo a interpretação de Tom Hanks em Filadélfia, quando traduz para o seu advogado, Denzel Washington, o amor expresso naquelas palavras.
De ficar sem fôlego!
Andrea Chenier, de Umberto Giordano
Acto III
A Sala de tribunal do Tribunal Revolucionário, 24 de julho de 1794.
Mathieu tenta junto da multidão angariar doações para a causa. As pessoas não respondem até que aparece Gérard, o criado. Ele chama as pessoas para darem o que podem, até mesmo os filhos. Uma mulher cega aparece com um menino jovem. Diz-lhe que este é seu o neto e tudo o que tem no mundo. Implora para que Gérard o leve.
A multidão dispersa e chega L'Incredibile, o espião. Diz a Gérard que Chenier, o poeta, havia sido detido e que em breve também a jovem e nobre Maddalena terá o mesmo destino.
Apesar da indignação que sente pelas cínicas palavras que acaba de ouvir, Gérard obedece e denuncia Andrea para salvar Maddalena, que vem procurar o poeta, seu amado.
A amizade que o une a Andrea vale menos que o amor que nutre pela donnina innamorata.
Maddalena diz que morrerá a gritar o seu Amor nas ruas. Se o preço da vida de Chenier implica que o seu corpo seja de Gérard.. que assim seja.
Maddalena conta como a sua família desapareceu num incêndio e como ficou só; fala sobre a morte de sua mãe e como trás a desgraça a todos os que a amam..
Porto sventura a chi bene mi vuole!
Grita que aquele Amor é vida. Um anjo chegou para a proteger, mas o beijo que recebeu era o beijo da morte.
Corpo di moribonda è il corpo mio!
Prendilo, dunque!... Io son già morta cosa!...
Maddalena oferece o seu corpo moribundo a Gérard.
La mamma morta (canta Maria Callas) - clique para ouvir
Maddalena:
La mamma morta
m'hanno alla porta
de là della stanza mia;
moriva e mi salvava!...
poscia - a notte alta - io con la Bersi errava,
quando, ad un tratto, un livido bagliore
guizza e rischiara innanzi a' passi miei
la cupa via!
Guardo!... Bruciava il loco di mia culla!
Così fui sola!... E intorno il nulla!
Fame e miseria!...
Il bisogno e il periglio!...
Caddi malata!...
E Bersi, buona e pura,
(ed a narrarlo mancan le parole)
di sua belezza ha fatto un mercato,
un contratto per me!
Porto sventura
a chi bene mi vuole!
(Ad un tratto, nelle pupille larghe di Maddalena si effonde una luce di suprema gioja, una gran luce profonda come riflesso di splendore misterioso.)
Fu in quel dolore
che a me venne l'amore!...
(Maddalena rimane in silenzio meditabonda - un dolcissimo sorriso sulle labbra)
Voce gentile piena d'armonia
che mi sussurra: "Spera!"
e dice: Vivi ancora! Io son la vita!
Ne' miei occhi è il tuo cielo!
Tu non sei sola! Le lacrime tue
io le raccolgo!... Io sto sul mio cammino
e ti sorreggo il fianco
affaticato e stanco!...
Sorridi e spera ancora!... Son l'amore!
Intorno è sangue e fango?... Io son divino!...
Io sono il paradiso!... Io son l'oblio!
Io sono il dio
che sovra il mondo scende da l'empireo,
muta gli umani in angioli,
fa della terra il ciel!...
Io son l'amore!
Io son l'amore!
L'amore!
(Ed essa pure, come già Gérard, rimane per un momento silenziosa, affannata da quel ricordo tumultuoso. - E poi con voce piena di immensa tristezza balbetta:)
L'angiol tremante allor le labbra smorte
della mia bocca bacia... E or vi bacia la morte!...
(un desolato singhiozzo la costringe ad interrompere, poscia affannosamente riprende:)
Corpo di moribonda è il corpo mio!
Prendilo, dunque!... Io son già morta cosa!...